O paradoxo da cidade do futuro: uma volta ao passado?

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Foi nos anos 30 que o desenvolvimento da máquina tornou-se a mola propulsora do desenvolvimento rodoviário, o que teve reflexos diretos no Brasil. O modelo rodoviarista se consolida como o sistema que traria a modernidade ao país, através de medidas realizadas pelo presidente Washington Luiz, que assumiu a Presidência da República em 1925. Em uma das suas primeiras declarações públicas, o Presidente lança a célebre frase “governar é abrir estradas”, demonstrando o interesse primordial da administração (SILVA, 2011).

Ainda hoje, sabemos que o automóvel continua fortemente arraigado no nosso cotidiano. Com o crescimento desordenado das cidades, nem sempre tem-se transporte público eficiente. O aumento do trânsito em decorrência do número excessivo de veículos leva a intermináveis congestionamentos, fazendo com que todos se sintam incomodados com o trânsito das cidades e cada vez mais entendendo que essa condição precisa ser resolvida urgentemente.

Em contrapartida, necessitamos de espaços públicos que permitam formas de socialização e apropriação. Esse talvez seja a principal doença de que padecem as nossas cidades.

images-620x282Parece que a chave para o futuro das cidades encontra-se no passado. Faz-se necessário voltar a valorizar a rua e a escala humana. É imprescindível para a cidade de hoje abranger mais uma função além das quatro previstas pela Carta de Atenas, habitar, trabalhar, circular e recrear: a de vivenciar.

Carecemos de projetos de intervenção urbana condizentes, que estimulem o pleno uso do espaço público, favorecendo a vida urbana contemporânea. Necessitamos de qualidade espacial, mobiliário urbano adequado, projetos mais cuidadosos com a acessibilidade, caminhabilidade, com passeios adequados, bicicletários, paisagismo, etc. Elementos que possibilitariam viver plenamente a cidade do século XXI, e não apenas circular por ela.

Voltar a andar a pé não significa um retrocesso. Pelo contrário, é passeando a pé que o indivíduo encontra-se inteiramente livre para observar as coisas da maneira que lhe interessa, com total tranquilidade e captando a paisagem e vivenciando a cidade. O caminhar proporciona olhares múltiplos geradores de experiências que são absorvidas de acordo com as necessidades e os desejos do caminhante. Sem contar nas possíveis trocas sociais que a rua possibilita.

Permitir novas formas de socialização urbana também é um elemento fundamental nas cidades do futuro. E para isso, torna-se necessário voltar a valorizar a rua para o pedestre e considerá-las um dos espaços primordiais da vida pública. Nesse sentido, Jacobs (2009), defende que os espaços públicos, em espacial as ruas, continuam simbolizando e exercendo um papel fundamental como o espaço mais facilmente acessível, para encontrar pessoas e para participar da vida pública. Gehl (1989, p.17, apud SILVA, 2011) também enfatiza que o espaço público é o mais fácil de ir. “É o lugar onde você não precisa conhecer ninguém, ou fazer nada em particular, exceto estar lá”. Para ele, “a rua é o maior palco da cidade e o mais usado. Nenhuma outra instalação poderá oferecer as oportunidades e prazeres para um número tão grande de pessoas, do jovem ao velho”.

A cidade tem como função básica atender às necessidades humanas de sociabilidade, provendo espaços para o desfrute da presença de outros seres humanos, de conhecer, observar, cumprimentar e conversar. Os projetos de revitalização devem proporcionar aos usuários, oportunidades de encontro, de contatos sociais com pessoas diferentes. Além disso, outras atividades opcionais podem acontecem, já que a rua possibilita e a situação convida as pessoas a parar, comer, brincar… Enfim, interagir. O planejamento urbano deve encarar a rua como um lugar possível de estar, descansar e não somente de circular e conectar os quarteirões.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 2.ed São Paulo (SP): WMF M. Fontes, 2009.

SILVA, Fernanda Cortez. Mobilidade urbana em Maceió/AL: A bicicleta como meio de reforçar a escala humana da cidade. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da cidade, da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2011.