Muitas vezes “tradições” que parecem antigas são bastante novas ou até mesmo inventadas. Entendemos por tradição inventada um conjunto de práticas de natureza simbólica, normalmente reguladas por regras ou abertamente aceitas, que visam estabelecer certos valores e comportamentos baseados na repetição, implicando automaticamente em uma continuidade em relação ao passado (Hobsbawn; Ranger, 1984).
Quando o termo tradição inventada é utilizado fala-se também de memória, mas de outra memória, a controlada, a fabricada, a que manipula o passado visando determinados fins. Essa memória social implica em um processo seletivo que ressalta algumas informações e elimina ou desconsidera outras, como se não tivessem importância ou jamais tivessem existido. Estas memórias estariam no domínio das tradições inventadas, onde o conhecimento e o “aprisionamento” do passado pelo presente dão a chave privilegiada para acessar um determinado imaginário (Pesavento, 1993).
Inventar tradições significa criar rituais e regras que buscam uma continuidade com o passado, instituindo uma memória que funciona como um estoque de lembranças. “Nem tudo que a tradição inventada abarca é realmente passado; várias manifestações são recentes, mas surgem para as pessoas como algo que há muito existe” (Flores, 1997, p.35). Essa continuidade com o passado caracteriza-se por manter um caráter bem artificial e invariável, mas que no entanto, sabemos que nem a tradição, nem as pessoas, nem a cultura, nem as cidades e a arquitetura permanecem iguais para sempre. Manter cristalizadas as tradições e a identidade local pode significar o engessamento do processo natural de evolução.
O passado real ou fictício a qual as tradições inventadas se referem impõe práticas fixas que são repetidas e formalizadas com o propósito de transmitir os costumes que de tanto repetir, passam a ser reconhecidos como legítimos. Legitimidade esta que as cidades contemporâneas buscam fervorosamente na tentativa de diferenciar-se das demais, “trabalhando” com sua identidade e memória, que nem sempre as representam verdadeiramente. Tradições são inventadas como “marketings urbanos” que visam o retorno das origens, mas que desconsideram as transformações dos lugares e a inserção e contribuição de todas as camadas temporais. Fica uma reflexão: se a tradição pode ser criada e manipulada, a memória e a identidade, que são intrínsecas a ela, também podem ser forjadas a partir de ficções sem respaldo histórico e cultural, o que consequentemente, acarreta em profundas mudanças na paisagem urbana. É essa a memória que queremos?
FLORES. Maria Bernadete Ramos. Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis, SC: Letras contemporâneas, 1997.
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1984.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A invenção da sociedade gaúcha. Ensaios FEE, Porto Alegre, 1993. Disponível em <http://revistas. fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/1617/1985 > Acesso em 20 de novembro de 2012.